Optei por iniciar falando do que primeiro nos chama atenção em um livro desconhecido: a capa.
Segundo Evelyn Grumach, em matéria da Revista Cultura, ed.23, a capa não tem a função de entregar a história. As melhores não podem ir além de uma chamada introdutória, uma pista do que virá adiante.
Em “Ensaio Sobre a Cegueira”, a obra que ilustra a capa é de Athur Luiz Piza, artista de São Paulo que trabalha e mora em Paris desde 1951. Os elementos estão dispostos de maneira caótica, aglomerados na parte de baixo e se dispersando daí para cima até encontrarmos um solitário no alto à esquerda. Bom, para mim, a obra é realmente uma pista do que irá experimentar o leitor: um desespero inicial e descontrolado que é seguido de uma tentativa de reorganização diante da nova situação: a cegueira. O elemento isolado seria a mulher do médico, a única criatura que não cegou. Olha o que ela diz sobre isso:
“…perdoem-me a preleção moralística, é que vocês não sabem, não o podem saber, o que é ter olhos num mundo de cegos, não sou rainha,não, sou simplesmente a que nasce para ver o horror,vocês sentem-no, eu sinto-o e vejo-o…” p.262
Lívia Duarte, em seu texto Barbárie e Humanização no Ensaio sobre a Cegueira, analisa como se configura e o que representa a cegueira na obra:
“…a narrativa em questão promove um jogo entre desumanização e humanização ao trazer passagens, em que se desce aos mais baixos extremos da barbárie, mas, sempre atentando para momentos de solidariedade e de compaixão, ou seja, para momentos em que o reparar se torna fundamental.”
Saramago escreve de forma frenética como se acompanhasse os acontecimentos inexplicáveis vivenciados pelas pessoas. O autor não usa ponto final ou parágrafos, parece que suas palavras atropelam o leitor da mesma forma que a cegueira invade a cidade.
Olha o que o próprio Saramago fala sobre o que sentiu ao escrever o livro:
“Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso”.
(Planeta Educação)
O filme
Considerei o filme excelente. Mostra todo aquele absurdo de
forma menos brutal que o livro mas ao mesmo tempo ácida
e dura. Transmite um sentimento de vazio e dúvida que nos
sufoca do início ao fim. Mas, por ser uma adaptação para
outra linguagem (o cinema), perdeu-se a inexistência de
identidade social e geográfica presente no livro. Nesse
não se consegue achar referência alguma a um país ou
cidade. Já no filme eu consegui identificar características
claras com o modo de vida americano.
Leia mais sobre o filme em Omelete, por Érico Borgo
Site oficial:Ensaio sobre a Cegueira
O vocabulário
Outro ponto que achei fantástico é o fato de o livro estar em
português de Portugal. A forma de expressar idéias com
palavras diferentes das que usamos no Brasil estimula o
nosso , digamos, “raciocínio lingüístico”.
Alguns exemplos:
Retrete: vaso sanitário Portão
aberto à justa para um passar: na medida
Passadeira de peões: faixa de pedestres (parecer ser)
Ligar a fenda (corte): suturar
Não se fia da palavra: não se acredita na palavra
Por fim, separei trechos que adorei:
Sobre o arrepender-se de um ato: “…mas também é certo,
se isso lhe serve de consolação, que se antes de cada acto nosso
nos puséssemos a prever todas as conseqüências dele, a pensar
nelas a serio, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois
as possíveis, depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a
mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito
parar.” P. 84
Sobre algo inevitável: “Vamos lá, tornou a dizer o velho da
venda preta, vamos ao que estava decidido, ou é isso, ou
ficamos condenados a uma morte lenta, Alguns morrerão
mais depressa se formos…,Quem vai morrer, já está morto
e não o sabe, Que temos de morrer, sabemo-lo desde que
nascemos, Por isso, de uma certa maneira, é como se já
estivéssemos nascidos mortos,”p.196
Não decidi sobre o que é esse, apenas gostei… “Não sei
se haverá futuro, do que agora se trata é de saber como poderemos
viver neste presente, Sem futuro, o presente não serve pra nada,
é como se não existisse, Pode ser que a humanidade venha a
conseguir viver sem olhos, mas então deixará de ser humanidade,
o resultado está a vista, qual de nós se considerará ainda tão
humano como antes cria ser(?)”p.244
LINKS:
Resumo do livro: webartigos.com
Site do autor: José Saramago
Baixar o livro: Livros para Todos
Ensaio sobre a Lucidez: Pipocas e Tretas
Aproveitando essa postagem, achei muito interessante o blog e em especial esta matéria.
ResponderExcluirPara informar também, gostaria de colocar que muitas das cenas feitas no filme foram gravadas em São Paulo. Acredito que Fernando Meirelles escolheu as ruas de São Paulo justamente para não passar a ideia de uma cultura americana ou mesmo um espaço que não fosse americano e remetesse a essa cultura.
É um filme muito bom, que claro não apresenta a consistência do Livro, mas nos dá um pouco do desespero descrito por Saramago.