Compartilhando as coisas boas da vida

Heloise Martins

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Ensaio sobre a Cegueira - Saramago

Optei por iniciar falando do que primeiro nos chama atenção em um livro desconhecido: a capa.

Segundo Evelyn Grumach, em matéria da Revista Cultura, ed.23, a capa não tem a função de entregar a história. As melhores não podem ir além de uma chamada introdutória, uma pista do que virá adiante.

Em “Ensaio Sobre a Cegueira”, a obra que ilustra a capa é de Athur Luiz Piza, artista de São Paulo que trabalha e mora em Paris desde 1951. Os elementos estão dispostos de maneira caótica, aglomerados na parte de baixo e se dispersando daí para cima até encontrarmos um solitário no alto à esquerda. Bom, para mim, a obra é realmente uma pista do que irá experimentar o leitor: um desespero inicial e descontrolado que é seguido de uma tentativa de reorganização diante da nova situação: a cegueira. O elemento isolado seria a mulher do médico, a única criatura que não cegou. Olha o que ela diz sobre isso:

“…perdoem-me a preleção moralística, é que vocês não sabem, não o podem saber, o que é ter olhos num mundo de cegos, não sou rainha,não, sou simplesmente a que nasce para ver o horror,vocês sentem-no, eu sinto-o e vejo-o…” p.262

Lívia Duarte, em seu texto Barbárie e Humanização no Ensaio sobre a Cegueira, analisa como se configura e o que representa a cegueira na obra:

“…a narrativa em questão promove um jogo entre desumanização e humanização ao trazer passagens, em que se desce aos mais baixos extremos da barbárie, mas, sempre atentando para momentos de solidariedade e de compaixão, ou seja, para momentos em que o reparar se torna fundamental.”

Saramago escreve de forma frenética como se acompanhasse os acontecimentos inexplicáveis vivenciados pelas pessoas. O autor não usa ponto final ou parágrafos, parece que suas palavras atropelam o leitor da mesma forma que a cegueira invade a cidade.

Olha o que o próprio Saramago fala sobre o que sentiu ao escrever o livro:

“Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso”.
(Planeta Educação)

O filme

Considerei o filme excelente. Mostra todo aquele absurdo de
forma menos brutal que o livro mas ao mesmo tempo ácida
e dura. Transmite um sentimento de vazio e dúvida que nos
sufoca do início ao fim. Mas, por ser uma adaptação para
outra linguagem (o cinema), perdeu-se a inexistência de
identidade social e geográfica presente no livro. Nesse
não se consegue achar referência alguma a um país ou
cidade. Já no filme eu consegui identificar características
claras com o modo de vida americano.

Leia mais sobre o filme em Omelete, por Érico Borgo
Site oficial:Ensaio sobre a Cegueira

O vocabulário

Outro ponto que achei fantástico é o fato de o livro estar em
português de Portugal. A forma de expressar idéias com
palavras diferentes das que usamos no Brasil estimula o
nosso , digamos, “raciocínio lingüístico”.

Alguns exemplos:
Retrete: vaso sanitário Portão
aberto à justa para um passar: na medida
Passadeira de peões: faixa de pedestres (parecer ser)
Ligar a fenda (corte): suturar
Não se fia da palavra: não se acredita na palavra

Por fim, separei trechos que adorei:

Sobre o arrepender-se de um ato: “…mas também é certo,
se isso lhe serve de consolação, que se antes de cada acto nosso
nos puséssemos a prever todas as conseqüências dele, a pensar
nelas a serio, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois
as possíveis, depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a
mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito
parar.”
P. 84

Sobre algo inevitável: “Vamos lá, tornou a dizer o velho da
venda preta, vamos ao que estava decidido, ou é isso, ou
ficamos condenados a uma morte lenta, Alguns morrerão
mais depressa se formos…,Quem vai morrer, já está morto
e não o sabe, Que temos de morrer, sabemo-lo desde que
nascemos, Por isso, de uma certa maneira, é como se já
estivéssemos nascidos mortos,”
p.196

Não decidi sobre o que é esse, apenas gostei… “Não sei
se haverá futuro, do que agora se trata é de saber como poderemos
viver neste presente, Sem futuro, o presente não serve pra nada,
é como se não existisse, Pode ser que a humanidade venha a
conseguir viver sem olhos, mas então deixará de ser humanidade,
o resultado está a vista, qual de nós se considerará ainda tão
humano como antes cria ser(?)”
p.244

LINKS:

Resumo do livro: webartigos.com
Site do autor: José Saramago
Baixar o livro: Livros para Todos
Ensaio sobre a Lucidez: Pipocas e Tretas